segunda-feira, 14 de setembro de 2009

A SEGUNDA GERAÇÃO MODERNISTA

Segunda fase Modernista no Brasil - (1930-1945)

Estende-se de 1930 a 1945, sendo um período rico na produção poética e também na prosa. O universo temático se amplia e os artistas passam a preocupar-se mais com o destino dos homens, o estar-no-mundo.

A segunda fase colheu os resultados da precedente, substituindo o caráter destruidor pela intenção construtiva, “pela recomposição de valores e configuração da nova ordem estética”. (Cassiano Ricardo)

Durante algum certo tempo, a poesia das gerações de 22 e 30 conviveram. Não se trata, portanto, de uma sucessão brusca. A maioria dos poetas de 30 absorveria parte da experiência de 22: liberdade temática, gosto da expressão atualizada ou inventiva, verso livre, anti-academicismo.
A poesia prossegue a tarefa de purificação de meios e formas iniciada antes, ampliando a temática na direção da inquietação filosófica e religiosa, com Vinícius de Moraes, Cecília Meireles, Jorge de Lima, Augusto Frederico Schmidt, Murilo Mendes, Carlos Drummond de Andrade, ao tempo em que a prosa alargava a sua área de interesse para incluir preocupações novas de ordem política, social e econômica, humana e espiritual. À piada sucedeu a gravidade de espírito, a seriedade da alma, propósitos e meios. Uma geração grave, preocupada com o destino do homem e com as dores do mundo, pelos quais se considerava responsável, deu à época uma atividade excepcional.
O humor quase piadístico de Drummond receberia influencias de Mário e Oswald de Andrade. Vinícius, Cecília, Jorge de Lima e Murilo Mendes apresentam certo espiritualismo que vinha do livro de Mário Há uma gota de Sangue em cada Poema (1917).
A geração de 30 não precisou ser combativa como a de 22. Eles já encontraram uma linguagem poética modernista estruturada. Passaram então a aprimorá-la e extrair dela novas variações, numa maior estabilidade.
O Modernismo já estava dinamicamente incorporado `as praticas literárias brasileiras, sendo assim os modernistas de 30 estão mais voltados ao drama do mundo e ao desconcerto do capitalismo.

"Este é tempo de partido, / tempo de homens partidos. (...) Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos. / As leis ano bastam. Os lírios ano nascem da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se / na pedra." (Carlos Drummond de Andrade, in Nosso Tempo)

Características da segunda geração modernista:

* Repensar a historia nacional com humor e ironia - " Em outubro de 1930 / Nós fizemos — que animação! — / Um pic-nic com carabinas." (Festa Familiar - Murilo Mendes)

* Verso livre e poesia sintética - " Stop. / A vida parou / ou foi o automóvel?" (Cota Zero, Carlos Drummond de Andrade)

* Nova postura temática - questionar mais a realidade e a si mesmo enquanto indivíduo

* Tentativa de interpretar o estar-no-mundo e seu papel de poeta

* Literatura mais construtiva e mais politizada.

* Surge uma corrente mais voltada para o espiritualismo e o intimismo (Cecília, Murilo Mendes, Jorge de Lima e Vinícius)

* Aprofundamento das relações do eu com o mundo

* Consciência da fragilidade do eu - "Tenho apenas duas mãos / e o sentimento do mundo" (Carlos Drummond de Andrade - Sentimento do Mundo)

* Perspectiva única para enfrentar os tempos difíceis é a união, as soluções coletivas - " O presente é tão grande, ano nos afastemos, / Ano nos afastemos muito, vamos de mãos dadas." (Carlos Drummond de Andrade - Mãos dadas)

EXERCÍCIOS:

1) Qual o período compreendido pela segunda geração modernista? O que mais caracterizou, do ponto de vista filosófico, essa geração?

2) Cite caracterísiticas da primeira geração modernista que foram pacificamente absorvidas e aproveitadas pela segunda.

3) Que rumo tomou a poesia dessa época? Cite os principais poetas do período.

4) Explique a seguinte declaração, extraída do texto: "A geração de 30 não precisou ser combativa como a geração de 22." Por que isso foi possível?

5) Sintetize as principais características literárias da segunda geração modernista no Brasil.

domingo, 13 de setembro de 2009

MANUEL BANDEIRA


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Poemas selecionados:

1) Carlos Drummond de Andrade

Louvo o Padre, louvo o Filho,
O Espírito Santo louvo.
Isto feito, louvo aquele
Que ora chega aos sessent'anos
E no meio de seus pares
Prima pela qualidade:
O poeta lúcido e límpido
Que é Carlos Drummond de Andrade.

Prima em Alguma Poesia,
Prima no Brejo das Almas
Prima em Rosa do Povo,
No Sentimento do Mundo.
(Lírico ou participante,
Sempre é poeta de verdade
Esse homem lépido e limpo
Que é Carlos Drummond de Andrade).

Como é o fazendeiro do ar,
O obscuro enigma dos astros
Intui, capta em claro enigma.
Claro, alto e raro. De resto
Ponteia em viola de bolso
Inteiramente à vontade
O poeta diverso e múltiplo
Que é Carlos Drummond de Andrade.

Louvo o Padre, o Filho, o Espírito
Santo, e após outra Trindade
Louvo: o homem, o poeta, o amigo
Que é Carlos Drummond de Andrade.

Texto extraído do livro "Antologia Poética - Manuel Bandeira", Editora Nova Fronteira – Rio de Janeiro, 2001, pág. 183.

2) Profundamente


Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Estrondos de bombas luzes de Bengala
Vozes, cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.

No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam, errantes

Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?

— Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente.

*

Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci

Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?
— Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.

3) A onda

a onda anda
aonde anda
a onda?
a onda ainda
ainda onda
ainda anda
aonde?
aonde?
a onda a onda

4) A Estrela

Vi uma estrela tão alta,
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia.

Era uma estrela tão alta!
Era uma estrela tão fria!
Era uma estrela sozinha
Luzindo no fim do dia.

Por que da sua distância
Para a minha companhia
Não baixava aquela estrela?
Por que tão alto luzia?

E ouvi-a na sombra funda
Responder que assim fazia
Para dar uma esperança
Mais triste ao fim do meu dia.

5) Confissão

Se não a vejo e o espírito a afigura,
Cresce este meu desejo de hora em hora...
Cuido dizer-lhe o amor que me tortura,
O amor que a exalta e a pede e a chama e a implora.

Cuido contar-lhe o mal, pedir-lhe a cura...
Abrir-lhe o incerto coração que chora,
Mostrar-lhe o fundo intacto de ternura,
Agora embravecida e mansa agora...

E é num arroubo em que a alma desfalece
De sonhá-la prendada e casta e clara,
Que eu, em minha miséria, absorto a aguardo...

Mas ela chega, e toda me parece
Tão acima de mim...tão linda e rara...
Que hesito, balbucio e me acovardo.

6) Quando perderes o gosto humilde da tristeza

Quando perderes a gosto humilde da tristeza,
Quando nas horas melancólicas do dia,
Não ouvires mais os lábios da sombra
Murmurarem ao teu ouvido
As palavras de voluptuosa beleza
Ou de casta sabedoria;

Quando a tua tristeza não for mais que amargura,
Quando perderes todo estímulo e toda crença,
- A fé no bem e na virtude,
A confiança nos teus amigos e na tua amante,
Quando o próprio dia se te mudar em noite escura
De desconsolação e malquerença;

Quando, na agonia de tudo o que passa
Ante os olhos imóveis do infinito,
Na dor de ver murcharem as rosas,
E como as rosas tudo o que é belo e frágil,
Não sentires em teu ânimo aflito
Crescer a ânsia de vida como uma divina graça:

Quando tiveres inveja, quando o ciúme
Cristar os últimos lírios de tua alma desvirginada;
Quando em teus olhos áridos
Estancarem-se as fontes das suaves lágrimas
Em que se amorteceu o pecaminoso lume
De tua inquieta mocidade:

Então sorri pela última vez, tristemente,
A tudo o que outrora
Amaste. Sorri tristemente...
Sorri mansamente...em um sorriso pálido...pálido
Como o beijo religioso que puseste
Na fronte morta de tua mãe...Sobre a tua fronte morta...

7) Madrigal melancólico

O que eu adoro em ti,
Não é a tua beleza.
A beleza, é em nós que ela existe.

A beleza é um conceito.
E a beleza é triste.
Não é triste em si,
Mas pelo que há nela de fragilidade e de incerteza.

O que eu adoro em ti,
Não é a inteligência.
Não é o teu espírito sutil,
Tão ágil, tão luminoso,
- Ave solta no céu matinal da montanha.
Nem é a tua ciência
Do coração dos homens e dos coisas.

O que eu adoro em ti,
Não é a mãe que já perdi.
Não é a irmã que já perdi.
E meu pai.

O que eu adoro em tua natureza,
Não é o profundo instinto maternal
Em teu flanco aberto como uma ferida,
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.
O que adoro em ti - lastima-me e consola-me!
O que eu adoro em ti, é a vida.

8) Neologismo


Beijo pouco, falo menos ainda.
Mas invento palavras
Que traduzem a ternura mais funda
E mais cotidiana.
Inventei, por exemplo, o verbo teadorar.
Intransitivo:
Teadoro, Teodora.

9) Último poema

Assim eu quereria o meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

10) O menino dorme

O menino dorme

Para que o menino
Durma sossegado,
Sentada ao seu lado
A mãezinha canta:
— "Dodói, vai-te embora!
"Deixa o meu filhinho,
"Dorme . . . dorme . . . meu . . ."

Morta de fadiga,
Ela adormeceu.
Então, no ombro dela,
Um vulto de santa,
Na mesma cantiga,
Na mesma voz dela,
Se debruça e canta:
— "Dorme, meu amor.
"Dorme, meu benzinho . . . "

E o menino dorme.

11) Porquinho-da-Índia

Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele prá sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas . . .

— O meu porquinho-da-índia foi minha primeira namorada.

12) Andorinha

Andorinha lá fora está dizendo:
— "Passei o dia à toa, à toa!"

Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste!
Passei a vida à toa, à toa . . .

13) Irene no céu

Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor.

Imagino Irene entrando no céu:
— Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão:
— Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.

14) Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que eu nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

ATIVIDADE:

Depois de ler essa seleção de poemas de Manuel Bandeira, pense em tudo o que você já estudou sobre as características literárias da primeira geração no Brasil e responda: o estilo e a temática observados em M.B. podem ser prontamente identificados como pertencentes àquele grupo ou você enxerga diferenças consideráveis entre o que observou na obra desse autor?
Tente fazer um resumo esquemático dos TEMAS mais trabalhados por Manuel Bandeira e explicar sua singularidade dentro do grupo a que pertenceu.